quinta-feira, 3 de março de 2016

Saúde e histórias marcam atendimento no Rio Muru, em Tarauacá


Após a consulta, a paciente de seis anos de idade aperta a mão e sorrir para o médico, Aurerlio Sosa, nascido em Cuba e profissional do programa federal Mais Médicos.

É o anúncio dos bons encontros que seguem com a ação de saúde pelo Rio Muru, em Tarauacá, sudoeste da Amazônia brasileira, no Acre.

Durante três semanas, profissionais de diversas áreas da saúde e cidadania são surpreendidos por novos sorrisos, novas histórias e a cultura ribeirinha, enquanto levam serviços públicos para a zona rural.

Com uma população rural estimada em 20 mil pessoas, Tarauacá, como boa parte das cidades da região, tem grandes desafios em levar serviços públicos pelos rios.

No Barco Hospitalar, a prefeitura da cidade, com apoio dos governos federal e estadual, leva nessas ações algo mais que saúde.

Nem bem o sol conseguiu atravessar as nuvens desses tempos de chuva, às 7 horas da manhã de terça-feira, 23 de fevereiro, os barcos começam a chegar ao antigo seringal Paraíso. Na espera para iniciar os procedimentos, os pacientes vão trocando notícias e encontrando amigos.

O grande encontro é para consultas médicas, conversa com psicólogo (o “fim” do amor é um dos principais problemas também na zona rural), tratamento bucal, acompanhamento do programa federal Bolsa Família e também reunião com as comunidades. “Ei, txai! Voltando da cidade?”, grita alguém para alguns indígenas do Rio Humaitá, afluente do Muru, que chegam para também serem atendidos.

Esse sentimento de amizade é também percebido por Francisco Alves, morador da área desde a década de 1950. “Estou gostando demais desse atendimento. Hoje em dia as pessoas são mais educadas, os doutores atendem com mais atenção. Com as pessoas da zona rural, às vezes é preciso ter um pouco mais de carinho”, comenta.

Memórias dos rios do Acre

“Quando chegamos aqui, era a época da seringa” – após abrir o sorriso com tantas visitas na sua área, Alves aproveita a oportunidade para contar um pouco de sua história e do antigo seringal.

“Meus irmãos mais velhos trabalhavam na seringa, e meu pai, na agricultura. Plantava mandioca para fazer farinha e vender ao patrão, que distribuía pros seringueiros lá no ‘centro’”, relembra.

O Rio Muru é parte importante da história de Tarauacá e do ciclo da borracha na Amazônia. Nos anos de 1870 a 1912 e durante a Segunda Guerra Mundial, que foi de 1939 a 1945, ocorreram os dois Ciclos da Borracha na região Norte do Brasil, época que até hoje deixou suas marcas no movimentado rio. Em tempos de águas baixas, é possível ver os restos de um navio a vapor que afundou nesse período.

A viagem da saúde pelos rios de Tarauacá também traz lembranças do ciclo que transformou o Acre. O comandante do Barco Hospitalar Valmar Nogueira tem sua versão dos fatos: “Meu pai era patrão de seringal aqui em Tarauacá. O que nunca fiz foi cortar seringa, mas roçar estrada, carregar farinha, tirar a borracha do centro, isso tudo eu fiz”.

Com o olhar atento ao rio, que ainda estava seco, a mão firme no timão (volante do barco), Valmar, o experiente comandante, reformado da Marinha Brasileira após 29 anos de viagens pelos rios da Amazônia, percorre a história do Acre levando a equipe de saúde a quase cinco mil pessoas que fizeram a escolha de viver no ritmo das águas do Rio Muru.

União nas aldeias Huni Kuin

Há três anos, os grupos indígenas de Tarauacá também estão sendo atendidos com as ações de saúde.

“Antes, esse trabalho nunca tinha chegado aqui”, diz o professor, graduado em Letras Valdecir Huni Kuin, morador da Terra Indígena do Rio Humaitá, do povo Huni Kuin.

Esse rio, que é afluente do Muru e abriga também índios não contactados em suas cabeceiras, recebeu na segunda-feira, 22, parte da equipe que compõe o Barco Hospitalar.

A Aldeia Vigilante é o ponto de encontro para a assistência do grupo, que tem aproximadamente 600 pessoas. Corte de cabelo, consulta médica e tratamento dentário são oferecidos para os que ali vão chegando das outras aldeias.

“Com esses atendimentos aqui, a gente se sente contemplado. Fazemos parte da gestão deste munícipio. Estamos muito distante e há um custo muito alto ir para a cidade”, explica Valdecir.

O problema mais comum, segundo o médico Alfredo Pichardo, também do programa Mais Médicos, é a contaminação por vermes, assim como nas outras comunidades já atendidas.

Todos esses dias de cuidados com a saúde dos ribeirinhos e indígenas também servem para aprender sobre o que é viver nesse pedacinho de mundo cheio de água e mata. Pichardo, que é cubano e afirma nunca ter pensado em um dia conhecer os povos da Amazônia, experimentou o remédio natural Sananga, um sumo espremido das folhas da planta do gênero Tabernaemontana sananho, que possivelmente limpa os olhos.

“Para a sociedade, ser rico é ter dinheiro. A gente se sente rico com a floresta viva, em poder viver com o que ela nos oferece”, diz o professor Huni Kuin.

E sem se conhecerem, mas com o mesmo sentimento, Huni Kuin e Alves fazem parte da história do Acre, sem descendentes de uma geração que fez da floresta sua casa.

“Eu gosto de morar aqui, gosto da floresta, porque a gente tem contato com a natureza, com os animais. É muito bom ter tudo isso ao redor de onde vive. Eu nasci na mata, nos seringais, nasci vendo tudo isso. Sou apaixonado por isso, não sei por quê, mas sei que sou”, diz Francisco, que abre o sorriso e aponta para sua casa na beira de um igarapé.

Da Agência de Notícias do Acre

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